Série espanhola de 8 capítulos com aproximadamente uma hora. HBO Max, agora somente MAX.
Esta é uma destas séries que não só nos distraem como nos relatam coisas que talvez não tivéssemos chance de ver se não fosse aqui. Ela é baseada num romance de Fernando Aramburu, e trata da vida de duas famílias no País Basco, Espanha, que se veem afastadas por causa da adesão e suposta crueldade de um dos filhos que milita no ETA.
Antes de seguir vamos ao contexto, vamos ver o que é o ETA. Até o final dos anos 1960, o ETA era uma organização de promoção da cultura do País Basco, uma região que fica ao norte da Espanha. A partir da década de 1960 passou a ser uma organização paramilitar de guerrilha separatista com um confuso tempero de ideologia marxista-leninista. Queriam de fato separar o País Basco da Espanha. Quem apoiava o ETA ficava de um lado, os demais cidadãos do outro. Ser militante do ETA era motivo de orgulho para pais e mães a favor da separação. Até a Igreja Católica, tão influente num país extremamente católico, defendia, justificava e encorajava a guerrilha etarra. No entanto, em 2011, depois de estar bastante abatido pela prisão de várias lideranças, o ETA anunciou formalmente um cessar fogo, deixou as armas e passou a atuar politicamente pela independência, sem aquele viés ideológico. Abandonaram a tática de guerrilha, mas não seu ideal de independência.
A série se passa em Danostia, nome basco da cidade de San Sebastian, no País Basco. O País Basco é uma das 17 comunidades autônomas da Espanha. Mesmo sendo uma unidade como as demais, chama-se País Basco. Tem língua própria, bem difícil de ser entendida, cheia de “X”. Uma comunidade autônoma equivale mais ou menos ao que chamamos de Estado.
Nesta série espanhola, duas famílias muito amigas, nasceram e se criaram em Danostia. Com o recrudescimento das atividades do ETA estas famílias pararam de se falar. A série mostra a violência das práticas do ETA, sua disciplina férrea e bem organizada, seu funcionamento interno (raro de se ver e muito bom de conhecer), seus assassinatos, sequestros, roubos e coações financeiras. Mostra também a vida daquele que não são militantes, e que sofrem com o estado de violência implantado naquela região.
A série se desenvolve com muita qualidade no texto e na narrativa, deixa a história fluir no seu ritmo não muito rápido, intenso, tenso e com personagens de certo modo solitários numa comunidade pequena em que todos sabem de tudo e cada um tem seu lado. Lá chove muito, e isso diminui as cores, aumenta a tensão e a tristeza das pessoas.
Há poucos sorrisos. Mesmo os jovens que se amam têm na adesão ao ETA um obstáculo. Os que podem se mudam da cidade para fugir dos atentados e da violência até certo ponto autorizada pelas instituições locais, mas continuam ligados às suas famílias que lá ficaram. Os laços familiares, principalmente na Espanha das cidades pequenas, são muito fortes.
A narrativa segue calma relatando a trama entre eles, regressa no tempo (flash back) para contar o que se passou antes ou para explicar porque as personagens fazem o que fazem. Estas idas e vindas no tempo são muito bem elaboradas, não deixam o espectador atrapalhado nem confuso. À medida que os capítulos seguem, vamos nos aprofundando cada vez mais nas características das personagens, em suas vidas, em suas relações com as demais personagens e cidadãos, vamos nos apaixonando e nos solidarizando cada vez mais com elas (personagens).
É interessante ver os lugares em que as cenas se passaram, ver a cidade pichada pelo ETA, ver San Sebastian sem a versão turística. É bom ver e saber que as casas dos personagens empresários são parecidas com as dos jovens em ascensão, e com as dos operários. Ver, por exemplo, que o empresário mora num aparamento antigo e que a garagem de seu carro fica em outro prédio. É bom ver as roupas simples que todos usam, e que pelas roupas não há clara distinção de classe.
O texto permite que atrizes e atores de diversas idades contracenem. Atrizes e atores idosos vão muito bem em seus papéis. Quando estas personagens tem papéis com mais contradições saem-se melhor, não pela falta de competência, mas pelo que o texto lhes oferece. Os mais jovens também: as personagens com muitas certezas e impetuosidade trazem menos qualidades dramáticas, os demais revelam elegantemente suas ambiguidades e dramas íntimos.
Destaque para a jovem atriz basca Loreto Mauleón, no papel de Arantxa, filha de uma das famílias. Sua personagem oscila entre dois papéis diametralmente opostos, mas que mantém uma lógica interior bem construída e muito bem interpretada.
É uma série para ser vista com prazer, curiosidade e atenção. É uma ótima diversão. Mostra aspectos importantes e raros da vida de um grupo humano num determinado momento da história, num específico lugar do planeta e que interessa bastante a todos nós.