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Foto do escritorJosé Roberto Sadek

Indicação de Série / Xogum




Serie de 10 capítulos de cerca de uma hora. Disponível na Star Plus.


A sugestão aqui é da série Xogum: a Gloriosa Saga do Japão.  A estratégia usada nesta série foi liberar um capítulo por semana para o público, embora os 10 já estivessem gravados e bem guardados.


Esta indicação é um pouco diferente das demais que faço aqui, logo explicarei.


Antes, alguns esclarecimentos para contextualizar a trama.


Xogum é o título do chefe do Exército Imperial do Japão. Era um cargo ocupado a convite do Imperador. Em geral o nomeado era algum senhor com muitas terras. Pode-se dizer que o Xogum era a figura mais poderosa do Império porque ele comandava o maior exército. Em português escrevemos Xogum com X, mas vemos muitas vezes com Sh. Shogum, com sh, é inglês.


A série é baseada livremente no romance do escritor James Clavell. Este escritor e cineasta é australiano-inglês, morreu em 1994, aos 72 anos. É um romancista de muito sucesso e respeitado pelos críticos. O que vemos na série é romanceado, não se trata de verdade histórica. Se você quer saber historicamente o que de fato aconteceu naquela época, veja uma série chamada “A guerra dos Samurais”, Netflix, 6 capítulos de aproximadamente 45 minutos, igualmente bem produzida e que mescla documentário com criação de época, muito fiel aos acontecimentos históricos. No livro, como aqui na série Xogum, veremos histórias ficcionais referentes à chegada acidental do navegador inglês William Adams nos tempos em que Tokugawa Yeasu começava o Xogunato Tokugawa no Japão após o ano 1600, época em que a história da série se passa.


Então, é tudo inventado nesta série? Não, muitas coisas, mesmo romanceadas, correspondem a como a sociedade funcionava na época. Os códigos de honra, de ética e de lealdade são reais; os hábitos japoneses da época também; os cerimoniais; o papel das mulheres numa sociedade opressora machista (aos nossos olhos de hoje); a crueldade das relações entre poderosos e seus seguidores; a morte como uma passagem que deve ser feita com dignidade e honra para que seus descendentes sejam também honrados; a hierarquia entre guerreiros e não guerreiros; as dívidas de honra e de lealdade, tudo isso é verdadeiro.


Outra informação do contexto: naquela época havia um conflito latente na sociedade japonesa. De um lado os budistas de diversos tipos, e do outro os japoneses convertidos ao catolicismo pelos padres portugueses. Havia uma rejeição de parte a parte sobre a religião dos outros. De alguma maneira eles conviviam, controlando suas antipatias, e ainda neste período de tensão e oposição a série acaba. Não está no escopo da série, mas convém saber que em 1637 houve a chamada Rebelião de Shimabura, que começou como uma revolta contra os altos impostos, e, depois de contidos e massacrados, passaram a perseguir ferozmente os católicos.

 

Agora comento a série e porque não é como as demais aqui mencionadas: Costumo sugerir séries boas, com qualidades maiores que os defeitos. Aqui é um caso um pouco diferente. Eu vi o primeiro capítulo de Xogum e fiquei chateado, tinha muitas personagens, não entendi quem era quem, não entendi quem era do lado mau da história, não entendi qual a relação entre cada personagem, não entendi quem estava mentindo, e, pior, não entendi qual o assunto da série.


Tá certo que este primeiro capítulo tem muitas qualidades, tem filmagens bonitas, movimentos de câmera muito elaborados que passam por cima dos telhados e chegam ao rosto das atrizes, tem cenários bonitos, tem encenações precisas de situações com muitas pessoas em cena, os nobres e as damas usam aqueles quimonos japoneses maravilhosos, tem aquela cerimônia formal típica da cultura japonesa de antigamente, tem muita coisa bonita pra gente ver.


Se tem tantas coisas bem cuidadas, não seria razoável que a série fosse tão ruim. Por causa destes cuidados, decidi ver mais um capítulo antes de abandonar a série. E daí foi legal, o segundo capítulo colocou muitas coisas nos devidos lugares. Deu para entender quem era quem, quem mentia, quem seria do bem e quem seria do mal. Já dava para torcer. Já se desenhava o inglês ocidental salvador que ensinava os japoneses – coisa que é muitíssimo discutível – dava para antever o par romântico, as guerras, as disputas, as traições, enfim, o segundo capítulo cumpriu a função que deveria ser do primeiro capítulo.


Parecia então que a série deslancharia. O inglês, chamado pelos locais de Anjim, cai nas graças de Toranaga, um rico e poderoso senhor de terras que quer o poder, mas que não está bem cotado pelo Conselho que manda no Japão. Como o imperador é um garoto de cerca de 10 anos, quem administra o império é o Conselho. Nem preciso dizer que dentro do Conselho há divergências e disputas de poder entre seus membros.


O inglês tem uma tradutora católica, que o acompanha nas conversas em japonês.


Alguns capítulos depois do segundo, a série perde o rumo de novo, o inglês Anjim fica sem função na trama, sempre fala as mesmas coisas contraditórias, muda de opinião sobre o que quer, não se sabe mais seu objetivo. Muitas vezes parece estar em cena só porque decidiram que ele é o protagonista, e, por ser o protagonista, tem que aparecer toda hora.  O Senhor Toranaga, indecifrável e imprevisível em suas intenções, passa a conduzir a trama. Aproxima-se uma guerra. Para colaborar com as tramas, naquelas bandas de vez em quando tem terremotos (como hoje) que podem dizimar exércitos e rapidamente mudar a relação de poder entre os exércitos.


Lá chove muito, o céu é cinza azulado quase sempre. A fotografia impecável se adapta ao colorido quase monocromático e serve bem à narrativa. Cenários e figurinos, mesmo coloridos e estampados, se sujeitam à luz predominante nas cenas externas, e à luz amarelada e de pouca intensidade nos ambientes internos.


Mais para o final, algumas reviravoltas ocorrem.


Não é perda de tempo, a gente vê muita coisa interessante, aprende bastante alguns hábitos e códigos de ética do Japão daquela época, penetra na imprevisibilidade de algumas personagens que nos surpreendem. Entendemos também porque os japoneses (mesmo filhos e netos) com os quais convivemos hoje aqui no Brasil são tão diferentes de nós locais.


É uma série que nos diverte, nos inquieta, mesmo com as ressalvas que fiz acima. Tem muita coisa pior por aí, tem muita porcaria sendo ofertada. Xogum não é perda de tempo, é boa diversão principalmente se formos generosos com a série. 

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